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quarta-feira, 11 de maio de 2011

Romance IV ou da Donzela Assassinada

Romance IV ou da Donzela Assassinada

Sacudia o meu lencinho
para estendê-lo a secar.
Foi pelo mês de dezembro,
pelo tempo do Natal.
Tão feliz que me sentia,
vendo as nuvenzinhas no ar,
vendo o sol e vendo as flores
nos arbustos do quintal,
tendo ao longe, na varanda,
um rosto para mirar!

Ai de mim, que suspeitaram
que lhe estaria a acenar!
Sacudia o meu lencinho
para estendê-lo a secar.
Lencinho lavado em pranto,
grosso de sonho e de sal,
de noites que não dormira,
na minha alcova a pensar,
- porque o meu amor é pobre,
de condição desigual.

Era no mês de dezembro
pelo tempo do Natal.
Tinha o amor na minha frente,
tinha a morte por detrás:
desceu meu pai pela escada,
feriu-me com seu punhal.
Prostrou-me a seus pés, de bruços,
sem mais força para um ai!
Reclinei minha cabeça
em bacia de coral.
Não vi mais as nuvenzinhas
que Pasciam pelo ar.
Ouvi minha mãe aos gritos
e meu pai a soluçar,
entre escravos e vizinhos,
-e não soube nada mais.

Se voasse o meu lencinho,
grosso de sonho e de sal,
e pousasse na varanda,
e começasse a contar
que morri por culpa do ouro
- que era de ouro esse punhal
que me enterrou pelas costas
a dura mão de meu pai -
sabe Deus se choraria
quem o pudesse escutar,
- se voasse o meu lencinho
e se pudesse falar,
como fala o periquito
e voa o pombo torcaz...

Reclinei minha cabeça
em bacia de coral.
Já me esqueci do meu nome,
por mais que o queira lembrar!

Foi pelo mês de dezembro,
pelo tempo do Natal.
Tudo tão longe, tão longe,
que não se pode encontrar.

Mas eu vagueio sozinha,
pela sombra do quintal,
e penso em meu triste corpo,
que não posso levantar,
e procuro o meu lencinho,
que não sei por onde está,
e relembro uma varanda
que havia neste lugar...

Ai, minas de Vila Rica,
santa Virgem do Pilar!
Dizem que eram minas de ouro...
- para mim, de rosalgar,
para mim, donzela morta
pelo orgulho de meu pai.
(Ai, pobre mão de loucura,
que mataste por amar! )
Reparai nesta ferida
que me fez o seu punhal:
gume de ouro, punho de ouro,
ninguém o pode arrancar!
Há tanto tempo estou morta!
E continuo a penar.

Cecília Meireles

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